Rubem Alves
Como são produzidos liquidificadores, máquinas de
lavar roupa, computadores, automóveis? São produzidos numa "linha de
montagem". De maneira simplificada: uma esteira que se movimenta. Ao lado
dela estão operários. Cada operário tem uma função específica. O processo se
inicia com uma "peça original" à qual, à medida que esteira corre, os
operários vão acrescentando as partes que irão compor o objeto final. Nenhum
operário faz o objeto, individualmente. Cada operário faz uma única operação:
juntar, soldar, aparafusar, cortar, testar. O resultado da linha de montagem é
a produção rápida e controlada de objetos iguais. A igualdade dos objetos
finais é a prova da qualidade do processo. O que não for igual, isso é, que apresentar
alguma peculiaridade que o distinga do objeto ideal, é eliminado. A função da
"peça original", como se vê, é a de ser simples suporte para as
outras peças que lhe vão sendo acrescentadas. Ao final do processo a "peça
original" praticamente desapareceu. No seu lugar está o objeto que vale
pela sua função dentro do processo econômico.
Nossas escolas são construídas segundo o modelo das
linhas de montagem. Escolas são fábricas organizadas para a produção de
unidades bio-psicológicas móveis portadoras de conhecimentos e habilidades.
Esses conhecimentos e habilidades são definidos exteriormente por agências governamentais
a que se conferiu autoridade para isso. Os modelos estabelecidos por tais
agências são obrigatórios, e têm a força de leis.
Unidades bio-psicológicas móveis que, ao final do
processo, não estejam de acordo com tais modelos são descartadas. É a sua
igualdade que atesta a qualidade do processo. Não havendo passado o teste de
qualidade-igualdade, elas não recebem os certificados de excelência ISO-12.000,
vulgarmente denominados diplomas. As unidades bio-psicológicas móveis são
aquilo que vulgarmente recebe o nome de "alunos". As linhas de
montagem denominadas escolas se organizam segundo coordenadas espaciais e
temporais. As coordenadas espaciais se denominam "salas de aula". As
coordenadas temporais se denominam "anos" ou "séries".
Dentro dessas unidades espaço-tempo os professores realizam o processo
técnico-científico de acrescentar sobre os alunos os saberes-habilidades que,
juntos, irão compor o objeto final. Depois de passar por esse processo de
acréscimos sucessivos - à semelhança do que acontece com os "objetos
originais" na linha de montagem da fábrica- o objeto original que entrou
na linha de montagem chamada escola (naquele momento ele chamava
"criança") perdeu totalmente a visibilidade e se revela, então, como
um simples suporte para os saberes-habilidades que a ele foram acrescentados
durante o processo. A criança está, finalmente formada, isso é, transformada
num produto igual a milhares de outros. ISO-12.000: está formada, isto é, de
acordo com a forma. É mercadoria espiritual que pode entrar no mercado de
trabalho. Aí o meu companheiro de direção contrária me perguntou se não seria
possível mudar as coisas. Abandonar a linha de montagem de fábrica como modelo
para a escola e, andando mais para trás, tomar o modelo medieval da oficina do
artesão como modelo para a escola. O mestre-artesão não determinava como
deveria ser o objeto a ser produzido pelo aprendiz. Os aprendizes, todos
juntos, iam fazendo cada um a sua coisa. Eles não tinham de reproduzir um
objeto ideal escolhido pelo mestre. O mestre estava a serviço dos aprendizes e
não os aprendizes a serviço dos mestres. O mestre ficava andando pela oficina,
dando uma sugestão aqui, outra ali, mostrando o que não ficara bem, mostrando o
que fazer para ficar melhor (modelo maravilhoso de "avaliação").
Trabalho duro, fazer e refazer. Mas os aprendizes trabalham sem que seja
preciso que alguém lhes diga que devem trabalhar. Trabalham com concentração e
alegria, inteligência e emoção de mãos dadas.
Isso sempre acontece quando se está tentando produzir
o próprio rosto (e não o rosto de um outro). Ao final, terminado o trabalho, o
aprendiz sorri feliz, admirando o objeto produzido. São extraordinários os
esforços que estão sendo feitos para fazer com que nossas linhas de montagem
chamadas escolas tão boas quanto as japonesas. Mas o que eu gostaria mesmo é de
acabar com elas. Sonho com uma escola retrógrada, artesanal... Impossível? Eu
também pensava. Mas fui a Portugal e lá encontrei a escola com que sempre
sonhara: a "Escola da Ponte". Me encantei vendo o rosto e o trabalho
dos alunos: havia disciplina, concentração, alegria e eficiência.
A educação ainda tem um longo caminho pela frente, esta bastante atrasada em relação aos paradigmas atuais. A sociedade evoluiu rapidamente, mas a escola não deu conta de acompanhar esta evolução. As necessidades de hoje são outras, é como se o modelo de educação atual estivesse parado no tempo, não acompanhando as tecnologias, os novos hábitos e relações da sociedade. A criatividade e as habilidades individuais de cada pessoa não estão sendo valorizadas e bem aproveitadas, poucas escolas estão se adequando a mudança. Sabemos muito bem o que é o ideal, mas aparentemente, apenas a educação privada está preocupada com esta questão, nas escolas publicas ainda percebemos uma educação tradicional, onde não é valorizada a capacidade da criança de criar e construir o seu próprio conhecimento de forma mias produtiva para si e para o seu cotidiano.
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