A proposta do MEC (Ministério da Educação) de agrupar as 13 matérias do ensino médio em quatro áreas pode ser válida, mas demanda apoio e reciclagem de professores.
A opinião é da professora norte-americana Deborah Stipek, ex-reitora da Escola de Educação de Stanford.
"No mundo real, humanidades e ciências são interconectadas. Um currículo
integrado permite a professores organizar o ensino em torno de debates
grandes e significativos, o que pode ser mais motivador para
estudantes."
O tema da motivação é uma das especialidades de Stipek, que escreveu,
entre outros estudos acadêmicos, o livro "Motivation to Learn:
Integrating Theory and Practice" ("Motivação para Aprender: Integrando
Teoria e Prática", ed. Allyn and Bacon).
"Alunos perdem motivação na escola porque não são mais donos de suas
próprias atividades como quando pequenos -fazem agora o que mandam", diz
ela.
"Muitas tarefas são frustrantes ou enfadonhas. Em escolas que têm ensino
mais individualizado e enfatizam a aprendizagem pessoal, tende a não
diminuir tanto."
Outro objeto de estudos de Stipek é a faixa pré-escolar.
A criança deve ir para a escola o quanto antes?
"Crianças de um e dois anos de idade não vão à pré-escola nos Estados
Unidos. A evidência de benefícios no longo prazo é muito forte para o
início de alguma escolarização aos quatro anos. Aos três, é mais fraca",
afirma.
A seguir trechos da entrevista da ex-reitora que participa hoje do 1º
Seminário Internacional do Centro Lemann para o Empreendedorismo e a
Inovação na Educação Brasileira, em São Paulo.
*
FUSÃO DE MATÉRIAS
É difícil julgar o projeto [do MEC] sem conhecer os detalhes. Há um
valor razoável em um ensino mais integrado. A eficácia de uma mudança
como essa dependerá do apoio que professores terão.
Vão necessitar de oportunidades para ensinar em equipes e vão precisar de novo treinamento.
EXEMPLOS NO MUNDO
Esse modelo foi experimentado nos EUA. Por exemplo, alguns estudantes
têm o que chamado "horário em bloco", como humanidades (principalmente
história e literatura) durante uma metade do dia, e matemática e
ciências, na outra metade. Em geral, química, biologia e física são
ensinados em anos diferentes, mas muitos estudantes têm um ano de curso
de ciências integrado.
Se os professores não conhecem um tópico que deveriam ensinar (por
exemplo, o de química dar biologia e física no ensino integrado), o
melhor é ter um professor "equipe". Nesse caso, três professores de
ciências planejam lições juntos. Um pode dar a parte que é mais de
química, por exemplo.
É importante não pedir a um professor ensinar o que não sabe.
Quando qualquer mudança é feita na organização do ensino, professores
têm de ser treinados de novo. Eles precisam de desenvolvimento
profissional, o que inclui apoio e orientação.
Quando colocar na escola?
Temos muito mais evidência de benefícios no longo prazo para quatro anos
de idade do que para três anos. O que se encontrou é que começar um ano
antes, aos três, pouco acrescenta.
Crianças com um ou dois anos não vão à escola nos EUA. Se eles estiverem
em um tipo de "home care fora de casa", é para que os pais possam
trabalhar.
PERDA DE MOTIVAÇÃO
Quando pequenas, as crianças são donas de seu próprio aprendizado. Elas
escolhem atividades que lhes interessam e, se têm dificuldades, podem
mudar sem problemas. Na fase escolar, as tarefas são muitas vezes
difíceis (e, por isso, frustrantes) ou muito fáceis (e, então,
enfadonhas). As crianças passam a ser avaliadas.
E algumas crianças sentem não só frustração, mas fracasso. Isso faz o
entusiasmo por aprender diminuir. Mas tenho visto escolas que enfatizam
aprendizado pessoal e avaliam de forma que todas as crianças
experimentem sucesso independentemente de nível em relação aos colegas.
TECNOLOGIA PARA PEQUENOS
Crianças pequenas aprendem com os sentidos e pelo envolvimento em
atividades. Uma boa parte do tempo delas deveria ser gasto interagindo
com pessoas e objetos. Mas tecnologia pode ser incluída em um programa
educacional por breves períodos de tempo. Professores que a usam
precisam ter clareza quanto ao seu objetivo pedagógico (em vez de apenas
manter crianças ocupadas).
DESTINO DE VERBA PÚBLICA
Se tivesse de escolher entre alocar verba pública para treinamento de
professores e investimento em tecnologia nas escolas, colocaria mais
recursos no desenvolvimento profissional dos docentes. A evidência de
pesquisa é muito clara: a qualidade do ensino é o fator mais importante
no desenvolvimento de crianças. Tecnologia pode ser um instrumento
importante, mas como professores a usam é mais importante do que a
própria tecnologia.
ROTINA NA ESCOLA
Ficar sentado muito tempo preenchendo apostilas e folhas não é apropriado e é uma boa forma de desviar crianças da escola.
Professores eficientes criam oportunidades de aprendizado em atividades
do brincar, como aprender medidas ao fazer biscoitos e a contar enquanto
encenam histórias.
Bons professores criam atividades de aprendizado que estimulam o
interesse das crianças e são percebidas como brincadeiras, mas têm
objetivos claros.
MARIA CRISTINA FRIAS
COLUNISTA DA FOLHA
Nenhum comentário:
Postar um comentário